O Direito e as sucessões estão no DNA da advogada Ana Luiza Maia Nevares. “Meu bisavô foi o primeiro inventariante judicial do Rio de Janeiro “, conta ela. Ao ingressar na faculdade, logo foi trabalhar com o avô, também advogado e dedicado à solução de conflitos sucessórios e de família. Hoje, aos 44 anos, a carioca é um dos principais nomes do escritório Bastos Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados onde criou um departamento que concilia o Direito de Família e o das Sucessões. Doutora pela UERJ, Ana Luiza equilibra a banca com a vida acadêmica – é professora de Direito Civil e coordenadora do curso de pós-graduação em Práticas Jurídicas em Direito das Famílias e Sucessões da universidade PUC-Rio. “É muito bom poder fazer as duas coisas porque, ao atuar como advogada em muitos casos, consigo levar para o aluno a vida real. Por outro lado, a vida acadêmica me mantém sempre atualizada. Uma atividade complementa a outra”, diz Ana Luiza. Autora do livro A função promocional do testamento (Renovar, 2009) e de dezenas de outros textos, ela ainda encontra tempo para se dedicar à diretoria do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias (IBDFAM), na seccional do Rio. “Se achamos que é preciso mudar o Direito e a sociedade, precisamos atuar através das instituições. É através delas que conseguimos chegar próximo aos poderes capazes de mudar alguma coisa.”
A presença e valorização das mulheres no campo do Direito tem aumentado nos últimos anos?
Como professora, minha percepção é a de que o número de mulheres nos cursos de Direito vem aumentando. É interessante ver que há uma tendência de que as mulheres sejam mais numerosas na área de família e sucessões. Elas também estão mais presentes no campo da mediação e das práticas colaborativas, que se caracterizam pela valorização das relações pessoais. Mas ainda precisamos exigir igualdade. Sou uma entusiasta das ações afirmativas. Acho importante, por exemplo, que medidas já adotadas pela OAB federal, como a paridade de homens e mulheres entre conselheiros e nos congressos, passem a ser generalizadas. Eu participo de um grupo de civilistas, no qual procuramos nos apoiar mutuamente. Quando vamos citar um artigo, buscamos um texto de uma mulher. A mulher tem de ter voz, já fomos oprimidas durante tanto tempo. Basta pensar que, até 1962, a mulher casada era considerada relativamente incapaz do ponto de vista legal. Como assim? Porém, para que as mulheres possam ter as mesmas oportunidades, os homens precisam entrar no espaço doméstico. Enquanto isso não acontecer de verdade, nós vamos continuar carregando um piano de cauda.
Você se considera uma advogada colaborativa?
Sempre procuro, na minha atuação profissional, trazer o consenso, conversar com o outro lado. Não quero levar o cliente para uma demanda judicial sem antes tentar uma conciliação, pois sei que a demanda judicial é muito desgastante. Foi muito bom ter feito um curso de práticas colaborativas, que têm como base firmar um termo de não litigância entre os advogados e clientes envolvidos em um caso. O curso me ofereceu um método para aplicar ao que eu já fazia. É inegável que a introdução destas práticas vem modificando o pensamento e a maneira de atuar dos advogados da área. Só que também está na natureza do advogado defender os interesses do seu cliente perante o Judiciário. É importante que o cliente tenha confiança e saiba que pode contar com você no caso da tentativa de acordo não funcionar. Por isso prefiro combinar um prazo de não litigância. Digo: “Vamos tentar fechar esse acordo em determinado tempo. Se não conseguirmos cumprir esse prazo, estou livre para seguir no Judiciário com o cliente”.
Então há conflitos em que as práticas colaborativas não funcionam?
Eu acho que a prática pode ser eficaz em todas as causas de família e sucessões, porém nem todas as pessoas estão preparadas para uma atuação colaborativa. Eu sempre procuro a outra parte e tento fazer um acordo, mesmo quando o cliente me diz que não adianta. Para ajuizar uma demanda sem falar com o outro lado, preciso estar diante de uma situação extrema. Tive um caso emblemático. Minha cliente vivia em união estável há anos e decidiu se separar. Todo o dinheiro do casal estava numa conta bancária do ex-companheiro e eles estavam em pé de guerra, numa situação muito dramática. Eu precisava tomar uma medida urgente. Avisei: “Entrar no Judiciário com um pedido de bloqueio dos bens vai preservar o seu direito, mas é claro que vai tornar a relação pior do que já está”. Decidimos juntas tomar essa medida e conseguimos bloquear o patrimônio. Se já estava ruim, a relação ficou totalmente destruída. Mas eu e a cliente chegamos à conclusão de que, se não fizéssemos isso, o dinheiro poderia sumir.
Existe também o recurso da mediação. Quando recorrer a este método?
O mediador é um profissional especializado, nem sempre um advogado, que usa ferramentas para ajudar as partes a construir uma solução para o conflito. Eu não sou mediadora. Mas, como advogada, em muitos casos procuro este profissional para me ajudar a conduzir uma questão. Agora, por exemplo, estou trabalhando em um processo de divórcio. O casal tem muitos recursos e a mulher está muito insegura sobre os termos da partilha. Ela tem 50 anos, ou seja, tem muita água para rolar na sua vida. Não trabalha, mas tem muito dinheiro, e está insegura sobre se vai receber o suficiente. Convoquei para o caso uma conselheira financeira que também é mediadora. Esta é uma técnica das práticas colaborativas, que trabalha com psicólogos, conselheiros financeiros, ou seja, uma equipe multidisciplinar. Várias vezes já chamei uma psicóloga para conversar com os meus clientes ou com a outra parte. Felizmente, a maior parte das pessoas com quem trabalho recebe essas ideias de braços abertos.
Assim como nas separações, os conflitos também são frequentes nos processos de sucessão. A elaboração de um testamento pode minimizar as disputas nesses casos?
O testamento é o instrumento por excelência de planejamento sucessório, de organização do patrimônio individual. A lei faculta ao dono do patrimônio dispor de 50% dos seus bens após a morte – é a chamada cota disponível. Os outros 50% precisam ser destinados aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes, cônjuge e companheiro) – é a cota legítima. Se o testamento cumpriu todos os requisitos; se os bens estão dentro da cota que pode ser disponibilizada; se o testador é maior e capaz; se aquele patrimônio pertence ao testador, não tem motivo para discussão. O patrimônio é do testador e ele exerce um direito legítimo quando dispõe dos seus bens. Ao mesmo tempo, também resolve um problema para os vivos, que sabem que terão de respeitar estas decisões. Claro que as pessoas podem ficar magoadas com o testador ou com os outros herdeiros. Pode ser que o testamento gere um conflito familiar muito maior. Mas a questão da transmissão dos bens fica resolvida.
Um exemplo: uma pessoa possui vários imóveis com valores e características diferentes e pretende dar um para cada filho. Um imóvel é muito melhor ou vale mais do que o outro. Não existe a obrigação de ser justo, equiparar o quinhão de cada um?
Existe nos 50% que compõem a cota legítima. Com os outros 50% da herança, o testador pode fazer o que quiser. O testador precisa se perguntar o que realmente quer e saber que tudo tem consequências. Seu objetivo é que os beneficiados recebam quinhões iguais ou o mais importante é a qualidade do bem a ser destinado a cada herdeiro? Para cada opção, é preciso organizar as cláusulas de modo diferente. Às vezes há vínculos dos herdeiros com bens específicos. O imóvel já é o lugar onde o herdeiro trabalha ou onde ele mora. Ou é o único filho que não tem um imóvel próprio. É uma questão de pensar a relevância e o significado do patrimônio para o herdeiro. Eu gosto muito de utilizar, nos testamentos, cláusulas que chamamos de narrativas, onde o testador explica suas razões. Por exemplo: “Estou deixando esta casa para o Fulano porque ele me ajudou a comprá-la.” Uma explicação como essa pode ser um norte para o juiz interpretar uma disposição testamentária. O testamento é um ato que deve ser feito com muito cuidado. Nem sempre distribuir o patrimônio previamente via testamento é uma boa solução. Tem horas em que até recomendo aos clientes: “Deixe que os herdeiros resolvam. O seu patrimônio vai mudar de hoje para o momento do óbito, você não sabe quais serão os interesses dos seus filhos, do seu companheiro, o que cada um vai querer naquele momento. Será que não é melhor deixar algumas decisões para eles?” Lembrando que é um ato revogável, que pode ser modificado a qualquer momento. Eu tenho clientes que refazem seus testamentos periodicamente. É muito importante repensar o seu planejamento sucessório, de tempos em tempos.
Estas decisões costumam ser conversadas com os herdeiros?
Muitas vezes o testador escuta a família. Não é raro que vários membros façam seus testamentos em acordo, por força de decisões patrimoniais compartilhadas. Há casos em que o patrimônio repercute na vida da família como um todo. É muito importante que o planejamento seja trabalhado de forma conjunta. Precisamos repensar a sucessão hereditária com base nas relações e em fatos concretos: qual é o patrimônio a ser transmitido? Quem são as pessoas a receber? Alguém precisa mais do que os outros? Dessa maneira conseguiremos fazer com que a propriedade seja pensada em função das pessoas, e não o contrário. O desafio é trazer a sucessão para a vida real. Essa problemática foi tema da minha tese de doutorado.
No caso de bens como obras de arte, joias e objetos de valores distintos, como resolver quem fica com o quê, caso isso não tenha sido definido no testamento?
Essa problemática foi o tema da minha tese de doutorado. Os critérios de partilha previstos na lei recomendam a maior igualdade e comodidade possível. Se houver disputa por um bem indivisível, a lei prevê a possibilidade de uma licitação entre os herdeiros, ou seja: quem dá mais por aquele bem? Prevê também que, em dado momento do processo, os herdeiros formulem os seus pedidos de quinhão. Mas, na vida real, não havendo consenso, o que acaba acontecendo é que o bem vai a leilão e divide-se o dinheiro.
Uma situação clássica de livros de mistério é a cena da leitura do testamento, quando todos são surpreendidos por decisões que ninguém imaginava. Também há margem para essas surpresas na vida?
Há sim. Existem três tipos de testamento. O testamento público é uma escritura pública, que se faz perante o tabelião. O testamento cerrado você faz em casa ou no escritório e leva para o tabelião, que aprova o ato, fecha, costura e lacra o testamento. Depois, você leva o documento para casa. No momento do óbito, há uma audiência e o juiz abre o testamento. E há ainda os testamentos particulares, que você faz em casa, privadamente, perante três testemunhas, que depois têm de confirmar o testamento em juízo. Claro que os testamentos cerrados e particulares possuem a desvantagem de estar em um documento solto, em casa. E se o cupim comer o testamento? No testamento público, feito nos livros de notas dos cartórios, há uma segurança maior. Porém, até há algum tempo atrás, como se tratava de uma escritura pública, qualquer um poderia ter acesso àquele documento. Bastava ter o CPF da pessoa.
Isso devia gerar situações constrangedoras…
Sim, com certeza. Um exemplo: um cliente possuía uma tia que não tinha filhos e cujos pais já eram falecidos. Os únicos herdeiros dessa tia eram ele e a irmã dele. Ele estava desconfiado, achando que as duas estavam muito próximas, e me pediu que verificasse se a tia tinha feito um testamento. Descobrimos que sim, e que havia deixado tudo para irmã dele. Ele ficou muito magoado, mas a tia estava no seu direito. Para evitar situações do tipo, uma decisão da Corregedoria do Rio de Janeiro determinou que, a partir de então, para ter acesso a um testamento público é preciso apresentar a certidão de óbito do testador ou uma autorização dele dando acesso ao documento.
Você diria que no Brasil não há o hábito de fazer testamentos?
Isso está mudando. Desde 2002, quando o novo Código Civil entrou em vigor, surgiram tantas controvérsias na sucessão do cônjuge e do companheiro que isso acabou levando mais pessoas a fazer testamentos. Acho, também, que o aumento da longevidade tem levado mais pessoas a refletir sobre a sua sucessão. E a pandemia trouxe um boom nos testamentos, essa é a realidade. Os colégios notariais dos estados identificaram um aumento considerável no número de testamentos lavrados por conta desta crise. A possibilidade do falecimento ficou mais concreta para todo mundo. Até a forma de fazer o testamento mudou.
Como foi essa mudança?
As três modalidades de testamento que eu citei pressupõem necessariamente o contato presencial do testador com o tabelião e as testemunhas. Quando chegou a pandemia, começou um problemão. Como as pessoas, isoladas, fariam seus testamentos? Mas há uma regra no Código Civil que prevê que, em circunstâncias excepcionais, é possível fazer um testamento sem testemunhas, que será confirmado a critério do juiz. Alguns dos meus clientes se valeram deste dispositivo. No entanto, em meio à pandemia, saiu um provimento do Conselho Nacional de Justiça definindo que é possível fazer testamento de forma digital. Com isso, muitos cartórios estão fazendo testamentos pela plataforma Zoom. O testador e as testemunhas precisam ter certificado digital, que também pode ser feito eletronicamente. Mas ainda há muitos cartórios onde o tabelião continua apegado à tradição, ao olho no olho, e optaram por não fazer esse tipo de documento. Afinal, pensam eles, à distância ninguém sabe se tem alguém ao lado do testador, exercendo algum tipo de coação.
Existe um perfil das pessoas que fazem testamentos? É um instrumento que serve apenas para os ricos ou também pode ser interessante para alguém de classe média?
Não é só para quem tem muito dinheiro, pelo contrário. O testamento é importante para qualquer pessoa que tenha um patrimônio e pretenda fazer com ele algo diverso do que a lei estipula. Por lei, os primeiros herdeiros são o cônjuge ou companheiro e os filhos. Se a pessoa não tiver filhos, os netos. Depois, os ascendentes (pais e avós) e, por último, os colaterais até o quarto grau – irmãos, tios, sobrinhos, sobrinhos-netos, tios-avós. A lei considera herdeiros os parentes até o quarto grau. Se a pessoa não tem nenhuma dessas relações, é bom fazer um testamento, a não ser que não se importe que os seus bens sejam destinados ao Estado. Agora, se a pessoa tem dois filhos e não desejar estabelecer uma divisão específica (por exemplo, determinando quais bens irão para cada filho), não precisa fazer testamento.
Além do testamento, há outros instrumentos para o planejamento sucessório?
Alguns estão previstos na lei, como a partilha em vida, que é muito rara, mas é uma possibilidade. E existem instrumentos contratuais como o VGBL, uma previdência privada feita pelo testador e que, após a sua morte, é paga pela instituição financeira a quem estiver nomeado no contrato. O VGBL é um instrumento importante para municiar os herdeiros de dinheiro. Após um falecimento, muitas vezes é preciso pagar contas, advogados, impostos. Nesse caso, este modelo de aplicação financeira é interessante, pois ele é pago ao herdeiro independentemente do inventário. Por outro lado, isso pode gerar conflitos, pois os outros herdeiros podem se sentir prejudicados. Além do VGBL, há ainda os vários tipos de seguro. Estes são alguns instrumentos.
Quando a pessoa tem uma empresa, o testamento pode designar o herdeiro? A lei prevê que a empresa vá para os herdeiros legais, como os filhos?
O testamento da sociedade é o contrato social. É ele que diz o que acontece no caso de falecimento de um sócio. Isso é muito importante, embora muito negligenciado, porque muitas vezes as pessoas criam empresas com base em contratos-padrão, de qualquer maneira. Basicamente, a sucessão empresarial se faz de duas maneiras: ou o herdeiro passa a fazer parte da sociedade ou a empresa paga ao herdeiro o valor que corresponde às cotas do sócio falecido. Claro que isso é uma questão séria, porque nem sempre a empresa tem caixa suficiente para cobrir o valor dessas cotas. Existe até seguro para que as empresas possam estar preparadas para esse momento. Quando faço o planejamento sucessório para um empresário, muitas vezes não me restrinjo ao testamento, mas também faço a alteração do contrato social da empresa, trabalhando com advogados da área societária e tributária, buscando organizar melhor a situação em caso de falecimento de um dos sócios. Se a empresa não estiver organizada, pode até acabar numa eventualidade dessas.
Quando o testador tem filhos de mais de um casamento, como se resolve o direito de herança?
O direito de herança não faz diferença entre os filhos. Outro dia eu fui atender ao caso de uma pessoa que tinha três filhos do seu primeiro casamento. Ele se casou de novo e teve a quarta filha; casou novamente, teve a quinta; e se separou e se casou outra vez. E veio a falecer. Eu precisava resolver a situação da companheira atual e de cinco filhos, dois de mães diferentes e três da mesma mãe. Fiz uma reunião por zoom com uma filha de cada casamento. O pai tinha dado um imóvel para uma pessoa, outro para a outra, ficou pagando a pensão mesmo depois de uma das filhas ter completado a faculdade, a companheira era sócia do falecido. Olha, eram diversos problemas. Recomendei comunicar o óbito ao juiz e fazer uma mediação. O fato é que o Direito Sucessório vem sendo chamado a compor muitos interesses por conta das famílias recompostas. Isso é um fenômeno mundial. E o Código Civil de 2002 colocou o cônjuge numa posição muito proeminente na sucessão hereditária, sendo que hoje o casamento único, para o resto da vida, não é a regra. Por um lado, há um clamor por mais liberdade na esfera conjugal. Mas, pela lei, estamos amarrados.
Qual foi a principal novidade trazida pelo Código de 2002?
Antes o cônjuge tinha o direito ao usufruto da herança; agora, ele é um herdeiro necessário, que divide a herança com os descendentes, da qual se torna pleno proprietário. Pela lei antiga, o cônjuge também era herdeiro necessário, mas com direito a um usufruto, e havia mais discussões sobre a sua posição na sucessão hereditária. Já no código atual está claro que ele recebe uma cota do patrimônio. Isso acabou trazendo mais conflitos em casos de famílias recompostas.
Hoje é possível fazer divórcio e inventário fora do Judiciário, nos cartórios. A seu ver, essa desjudicialização é positiva?
Acho muito importante. É claro que é preciso ter dinheiro para pagar o imposto causa mortis no caso dos inventários extrajudiciais. Essa é a grande questão. O andamento do inventário extrajudicial tende a ser mais rápido. Depois da morte, seleciona-se o patrimônio, faz-se a divisão, paga-se o imposto, lavra-se a escritura de inventário e acabou; a sucessão hereditária está resolvida. Mas é preciso pagar o imposto antes da escritura. Aqui no estado do Rio de Janeiro, a alíquota do imposto causa mortis varia de 4% a 8% do patrimônio. Por isso é importante o planejamento. Pode ser interessante, por exemplo, deixar um recurso, como o VGBL de que falei, para que os herdeiros possam pagar os impostos e optar pelo inventário extrajudicial. O divórcio também pode ser feito por escritura pública, se não houver filhos menores. E também é ótimo, porque é muito mais rápido.
Como é possível evitar conflitos futuros? O que você recomenda?
O meu conselho para quem pensa em fazer um testamento é colocar-se no lugar daquele que vai receber o patrimônio. Às vezes você quer proteger um mais do que outro. Sabe que seus desejos podem gerar conflitos familiares, mas para você, aqueles desejos são importantes. Penso que é preciso colocar tudo na mesa e eleger prioridades. E se colocar no lugar dos herdeiros. Como seu filho, sua irmã, seu pai se sentirão recebendo essas determinações? Eu tive um cliente que assinou o testamento e três dias depois me ligou dizendo: “Quero mudar meu testamento”. Perguntei: “O que houve?”. E ele falou: “Eu não deixei o apartamento onde moro para a minha mulher. É ela que está comigo há dez anos, é ela que está me aturando aqui todo dia. Eu fiquei doente, ela cuidou de mim. Não está certo o que eu fiz. Eu quero mudar agora o meu testamento”. E ele mudou.
Explicar o motivo das decisões também ajuda, não é?
Mesmo que pareça um absurdo, às vezes, quando você coloca o motivo, aquilo fica mais razoável. Na hora em que você está vivendo a situação, lidando com o falecimento do seu pai ou da sua mãe, e ainda com as suas decisões sobre herança, é difícil. Conhecer as motivações do testador pode ajudar no processo. Também pode ser importante, nestes momentos, a participação de uma psicóloga, alguém para ajudar todo mundo, para evitar travar o patrimônio.
Quais os segredos das negociações bem-sucedidas?
Se as pessoas acabam muito destruídas, ou se alguém sai muito insatisfeito, a situação será muito difícil. A verdade é que na maioria dos conflitos familiares e sucessórios não é possível chegar a uma solução ideal para todos. As pessoas estão vivendo a perda de alguém, dividindo o patrimônio, o tempo de convivência com o filho. Elas estão lidando com perdas, sentem-se magoadas, contrariadas. É difícil administrar, inclusive para o advogado que lida com a situação. Se um consegue se colocar no lugar do outro, se consegue entender o que é mais importante para ele e fazer alguma concessão, a tendência é que o resultado seja melhor. Se você recebe uma concessão, tende a fazer outra. A empatia é a palavra-chave para uma boa negociação.
Entrevista concedida a Anabela Paiva