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Foto da autora do artigo Sigrid Guimarães

Para além da síndrome de tio Patinhas: quanto é necessário juntar?

Com exceção das possíveis vítimas da síndrome do Tio Patinhas, quem trabalha pela construção de um patrimônio pessoal anseia pelo dia em que possa deixar de se preocupar em acumular e começar usufruir daquilo que conquistou. Em síntese, é o velho sonho de viver de renda. Mas quando seria o melhor momento? Um milhão de dólares, dois, três, mais; quanto será bastante?

Não existe uma cifra que sirva para todos. O ponto comum a qualquer um que pretenda viver de renda é a necessidade de acumular um patrimônio capaz de gerar recursos suficientes para cobrir seus gastos. Portanto, o dado essencial é o custo da vida que deseja levar. Só com essa informação é possível começar a calcular o montante a alcançar.

É claro que investimentos financeiros, com alocação e gestão de ativos adequadas e competentes, são indispensáveis para preservar o patrimônio conquistado e valiosíssimos para incrementá-lo e, assim, acelerar a acumulação. No entanto, a prudência manda que se considere uma média real (descontada a inflação) conservadora.

Nunca é demais lembrar que estamos falando de longo prazo, o mercado tem seus ciclos incontornáveis e crises imprevisíveis, e o pior que pode acontecer a alguém que conta com rendimentos patrimoniais para viver é ser surpreendido por sua insuficiência. Se você chegar lá antes do previsto ou chegar com mais do que o necessário, ótimo, bela surpresa! O que uma gestão patrimonial responsável não pode admitir é que chegue com menos. O frequente esquecimento dessa regra de bom senso faz com que muita gente viva, permanentemente, em busca de uma aplicação extraordinária, que lhe garanta a mais alta rentabilidade, o tempo todo. Infelizmente, ninguém vai encontrar essa aplicação, e persegui-la não só é inútil como costuma sair bem caro e apenas colaborar para a deterioração do patrimônio a longo prazo.

Tendo tudo isso em vista e, analisadas as condições de longo prazo, atualmente uma taxa de juros reais de aproximadamente 5% ao ano parece razoável para o nosso cálculo.

Para facilitar a conta, considere que você necessitará de um patrimônio 250 vezes superior a sua despesa mensal para poder abrir mão das receitas do trabalho e viver de renda. Ou seja, se você pretendesse contar com uma renda anual de R$ 600 mil (R$ 50 mil/mês), seria necessário acumular R$ 12,5 milhões, o correspondente a R$ 50 mil X 250.

Só há dois meios seguros de antecipar o aguardado momento de viver de renda, poupar mais hoje ou viver de renda mais cedo, porém conformado com um padrão de vida inferior. Em outras palavras, você precisa, dia após dia, escolher entre o nível de consumo presente e a geração de renda futura.

A partir daqui, já não se trata de decisões técnicas. O dilema é realmente filosófico e atravessa os tempos: aproveitar o momento ou garantir seu conforto depois? É uma conta pessoal, que ninguém pode fazer por você. Não há uma resposta absoluta, que sirva para todas as pessoas e circunstâncias, mas é possível e convém esclarecer o impacto das suas decisões sobre o presente e o futuro à luz da técnica e, também, do bom senso.

De cara, a opção por uma renda patrimonial menor no futuro parece temerária, uma vez que é uma decisão sobre o desconhecido; isto é, você sabe quais são as suas condições atuais e pode avaliar com clareza onde e como cortar despesas, mas não há como ter certeza sobre suas condições futuras nem do impacto dos cortes na sua vida. Por outro lado, é verdade que há experiências das quais você provavelmente não poderá desfrutar numa idade mais avançada.

Muitas vezes, a decisão que precisa ser tomada e aflige não diz respeito a antecipar o momento de passar da acumulação à fruição do patrimônio, mas, sim, de retardar ou não esse momento. É o problema dos muitos clientes que vêm me perguntar se devem ou não comprar uma casa de veraneio, tirar um ano sabático, trocar um emprego bem remunerado por outro, mais prazeroso, com remuneração mais modesta etc.

Vale a pena? Bem, tudo o que eu posso fazer é mostrar-lhes a pena, os anos a mais de trabalho que isso lhes custará, e avaliar com eles os convenientes e inconvenientes pessoais de cada escolha.

Artigo publicado na revista Exame.

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