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Foto de Lee Rainie

A era do individualismo em rede

Diretor de internet e tecnologia no Pew Research Center, em Washington D.C., Lee Rainie escreveu seis livros sobre o tema. Sua última obra – Networked: The new social operating system, escrito em parceria com Barry Wellman – traça um panorama dos impactos da internet e da conectividade sobre a sociedade. O livro ganhou elogios do sociólogo Manuel Castells, conhecido como maior estudioso das redes sociais. “Bem documentado, bem pensado e escrito com clareza, este livro se tornará leitura indispensável para profissionais e estudantes”, recomendou Castells. Nesta entrevista, Rainie  fala sobre os desafios e as oportunidades provocadas pela “tripla revolução” das redes sociais, da internet de alta capacidade e dos dispositivos móveis. E avisa: “a quarta revolução já está em andamento”.

Em seu livro, você afirma que vivemos a era do individualismo em rede [networked individualism]. Você pode descrever esse conceito brevemente?  

No passado, as referências sociais básicas das pessoas  eram a família e a aldeia. Eram grupos muito fechados, integrados a redes locais, cuidadosamente cultivadas. Hoje vivemos em redes extensas, espalhadas e sem caráter local.  São redes de relações pessoais que, às vezes têm uma dimensão local, às vezes são globais. Elas articulam pessoas que frequentemente não possuem laços familiares, origem étnica ou nacionalidade em comum. O que as une são interesses, paixões ou estilos de vida. Isso é uma grande mudança para a  sociedade.

E como isso afeta as famílias?

As famílias, agora, estão configuradas como redes. Antes da internet, especialmente antes dos telefones celulares, as famílias eram unidades. Seus membros moravam na mesma casa, compartilhavam um telefone, assistiam à mesma televisão, liam o mesmo jornal. E os pais organizavam a vida social da família. Agora, todos na família têm um telefone celular, têm sua própria rede, seus próprios sistemas de informação, seus próprios relacionamentos com o mundo em geral. Assim, a família está se transformando de unidade nuclear em um grupo, onde cada indivíduo gerencia os  aspectos sociais que considera importantes em sua vida.

Você diria que a família agora é o centro de múltiplas redes?

Sim! Esta é uma bela maneira de dizer o que estou descrevendo.  E essas redes se sobrepõem. As pessoas que fazem parte da rede da mãe também conhecem as crianças; assim como os membros das redes dos irmãos também conhecem o pai. Embora, muitas vezes, essas múltiplas redes se sobreponham,  outras vezes isso não acontece. Assim, na família em rede, os indivíduos conseguem ser um pouco mais autônomos.

O verbo “networking”, no sentido de estabelecer novos contatos profissionais, já era usado antes da internet. Quais as diferenças entre as redes do passado e da atualidade?

Não apenas a escala dessas redes é maior e mais complicada, como o padrão de relações é diferente. Na aldeia, todos sabiam da vida dos outros. Sabiam se alguém estava com dificuldades nos negócios ou na lavoura, se o marido e a esposa estavam brigando. Nas redes dispersas de hoje, muitas pessoas não se conhecem. Elas usam diferentes partes de sua rede para satisfazer as diversas necessidades de suas vidas. E a tecnologia digital tornou mais fácil operar esses sistemas.

As famílias estão mudando para melhor ou para pior?  

Alguns aspectos podem ser melhores; outros, piores. O fato dos indivíduos terem se tornado atores mais autônomos e independentes prejudica a coesão da família, mas também é libertador. Por um lado, membros da família podem se manter conectados em circunstâncias que não eram possíveis há duas gerações atrás. Antes dos celulares, os pais não sabiam se o filho estava brincando na praça perto de casa ou do outro lado da cidade, com estranhos indesejáveis. Agora, os pais podem estar em contato com seus filhos, não importa onde estejam. Por outro lado, o acesso às redes sociais também traz preocupações relativas à  segurança. Não existe apenas um lado da história.

E quanto à qualidade das relações familiares? Muitas vezes você vê crianças e pais juntos, mas em seus celulares, sem conversar.

Antes da internet, havia muita discussão sobre as famílias que jantavam em frente à televisão.  Dizia-se que pais e filhos ficariam assistindo à TV em vez de conversarem. Portanto, estas não são preocupações inteiramente novas. Os pais hoje se afligem bastante por achar que os filhos estão distraídos, acessando conteúdo inadequado ou simplesmente desperdiçando seu tempo. Mas também reconhecem que a tecnologia ajuda seus filhos a aprender. Os estudantes podem descobrir fatos antes inacessíveis; podem obter ajuda com seus trabalhos escolares de novas maneiras. Novamente, a situação tem pontos positivos e negativos.

Um uso interessante da tecnologia para a vida em família é a comunicação com parentes que vivem distantes.

Sim! Na era do individualismo em rede, as famílias se separaram. Passaram a viver em lugares diferentes, em vez de permanecerem por toda a vida na  mesma cidade. A tecnologia tem ajudado famílias a se conectarem. As crianças pequenas conversam com seus avós pelo Face Time ou pelo Skype. Se alguém não pode ir a um casamento ou a uma apresentação escolar, pode assistir pelo celular. Nesses casos, a tecnologia é um elemento de ligação e não de alienação.

Os membros mais velhos das famílias são os mais resistentes às mudanças? Normalmente, eles são menos hábeis no uso da tecnologia. O que a pesquisa do Pew Research Center revelou a esse respeito?

No início, os americanos mais velhos achavam péssima a popularização das redes sociais: distrai as crianças, facilita a intromissão de estranhos em suas vidas, dá acesso a conteúdos inapropriados. Então, os filhos e netos começaram a propor coisas como:  quer ver fotos minhas na peça da escola? Quer conversar por vídeo comigo aos domingos? Assim, eles convenceram seus avós a entrar online e aproveitar essas possibilidades. Agora, os avós estão muito entusiasmados com essas oportunidades. E os dados mostram que fazem exatamente o que os preocupava em relação aos filhos e netos: participam de grupos e adoram os novos relacionamentos e as informações que recebem de estranhos nas redes sociais. Eles ficam loucos por vídeos, compartilham e-mails e mensagens … Tanto que uma das reclamações mais frequentes dos jovens é :”meus avós perderam a cabeça online”.

As mídias sociais borraram as fronteiras entre a vida privada e a vida social. Existe um desejo de estar sempre no palco?

As imagens tornaram-se um novo tipo de moeda social. As pessoas descrevem suas vidas maravilhosas, sua comida, seus empregos fantásticos. Para muitas pessoas, uma parte importante a vida é gerenciar sua reputação online. Elas querem ter certeza de que os outros membros da rede entendem que são pessoas interessantes, com vidas interessantes. E manter a privacidade vai ser um desafio maior no futuro. A quarta revolução já está em andamento:  é a internet das coisas. Aparelhos eletrodomésticos e carros reunindo, compartilhando e analisando dados sobre as pessoas, como se deslocam no mundo e como cuidam de si mesmas. Todas essas informações se tornarão parte dos bancos de dados, que terão perfis muito ricos e profundos de quem somos e como vivemos nossas vidas.

A internet também mudou a maneira como trabalhamos e eliminou os limites entre trabalho e casa. Como vê essa mudança?

A fronteira entre trabalho e descanso desapareceu ou está muito diminuída neste novo mundo. Novamente, é uma situação que tem pontos positivos e negativos. Permite que as pessoas possam fazer compras, divertir-se, conversar com amigos, saber notícias dos filhos durante o trabalho. Mas, ao mesmo tempo, quando estão em casa, continuam conectados ao chefe e a um fluxo interminável de e-mails e mensagens. A expectativa é que você esteja conectado. As pessoas estão usando todas as mais diferentes  estratégias para enviar sinais aos seus patrões e colegas de quando não estão disponíveis, como no caso das mensagens de férias colocadas nos emails. São estratégias individuais, negociadas no dia-a-dia de cada um.

O jogo Baleia Azul chamou muita atenção por incitar adolescentes a tentar o suicídio. Os pais devem controlar o uso da internet de seus filhos? Isso ainda é possível?

A internet ajuda as pessoas a serem ainda mais o que elas já são na vida offline. Se são pessoas que querem ajudar os outros, a Internet lhes oferece  muitas maneiras novas de fazê-lo. Se querem incentivar o suicídio ou a anorexia, permite que o façam numa escala nunca vista anteriormente. Isso está acontecendo em todo o mundo. Antes da internet, desenvolvemos um conjunto de regras sobre como lidar com estranhos, que eram discutidas por toda a família. Temos de definir um novo conjunto de regras para o mundo virtual. Quando é apropriado olhar certos vídeos online? Que tipo de vídeos a criança deve ver? Quanto tempo você deve gastar online? Como lidar com pessoas que estão tentando se aproximar de você? Muitas famílias ao redor do mundo estão discutindo sobre como proteger as crianças. E o debate também envolve responsabilidade criminal. As plataformas são responsáveis pelo mau comportamento? Quando é apropriado levar a situação à polícia? É necessário criar novas leis? Estamos em um período de transição, em que as  normas ainda estão em processo de definição.

Entrevista concedida a Anabela Paiva

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