Na minha primeira conversa com Ricardo Taboaço, falamos sobre a origem, o diferencial e o propósito da Alocc. Saí compreendendo o conceito da casa, a motivação dos seus sócios e da equipe em geral. Entendi também por que os family offices podem representar uma inversão na tradicional relação do investidor com o mercado, na medida em que assumam as condições do investidor, e não as do mercado, como critérios para os investimentos.
Restou, contudo, entender como, na prática, o conhecimento das condições do cliente se transmuta em uma carteira mais eficiente, capaz de garantir a tranquilidade e a liberdade prometidas pela Alocc. Marcamos, então, uma nova entrevista. O que ouvi me obrigou a rever quase tudo o que eu pensava saber sobre investimentos. Aqui segue.
Na nossa última conversa, você mencionou que, na Alocc, vocês não se preocupam em prever o comportamento dos mercados nem em acompanhar os movimentos diários, mas, sim, em entender as condições de cada cliente, para, depois, compor um portfólio de investimentos segundo as suas necessidades. Bom, agora, eu queria entender a mágica de compor esse portfólio sem fazer previsões sobre o mercado. Será que consigo? [Pergunto adivinhando que, sem querer, levantei as sobrancelhas e arregalei os olhos. Meu entrevistado me oferece um sorriso apaziguador e começa falar.]
Consegue sim, e eu fico feliz que essa seja a sua pauta.
Agora, não tem mágica. Na verdade, todo o nosso esforço quando criamos a Metodologia e o Método Alocc foi no sentido de evitar a mágica. Nem eu nem ninguém aqui jamais se achou dotado de superpoderes, e, francamente, eu não acredito que um negócio como o nosso, comprometido com a manutenção de famílias a longo prazo, possa depender de magos e truques – esse é o nosso ponto. Por princípio, somos avessos a qualquer investimento cujas razões da rentabilidade nós não possamos compreender.
Vou lhe contar uma história: quando os fundos do Bernard Madoff estavam no auge, as pessoas perguntavam para a gente – Ah, vocês não têm o Madoff na carteira? –, como se fosse um desdouro, sabe? Bom, nós fomos a Nova York, o Hans [Hans Boheme, sócio e responsável pela Área de Investimentos da Alocc] e eu, para visitar o escritório do Madoff, para ver se o investimento faria sentido para os nossos clientes. Eles apresentaram aqueles históricos de rentabilidade assombrosos, e nós queríamos entender como eram possíveis. Perguntamos, ouvimos, perguntamos de novo, ouvimos outra vez, e eu continuei sem entender. Quando saímos, olhei para o Hans e perguntei: “Você entendeu de onde vêm aqueles lucros espetaculares?”, e ele também não fazia ideia. Então, a gente disse: nós podemos ser duas bestas quadradas, mas não podemos colocar o dinheiro dos nossos clientes em um negócio que a gente não entende.
Assim foi feito, e pouco tempo depois a pirâmide do Madoff desabou. – Olha, eu não estou dizendo que nós tenhamos suspeitado de coisa nenhuma. Nós simplesmente não entendemos, e era o suficiente para não recomendar o investimento, porque, se nós não entendemos a razão de ser da rentabilidade, não temos como saber qual é o risco a que estamos expondo os nossos clientes, muito menos como contrabalanceá-lo.
Salvos pelo gongo.
Não, não, salvos pela nossa obsessão por critérios racionais para os investimentos – esse é o nosso ponto de honra!
Não depender de gênios da lâmpada foi uma das principais razões, senão a principal, para a gente criar uma metodologia racional, que qualquer profissional experiente, bem formado e dedicado pudesse seguir, e, também, mais específica e especialmente, para criar um método para investimentos patrimoniais.
Entendi. Bom, você falou em metodologia e método. Eu reconheço a diferença conceitual entre as duas coisas, mas você pode explicar no que uma e o outro se configuram no caso da Alocc?
Tá. Quando eu falo na metodologia da Alocc, eu estou me referindo a todas as técnicas e métodos que nós definimos para cada processo envolvido no nosso trabalho, desde a primeira reunião com um cliente, e, depois, nas etapas de análise e planejamento, na alocação de investimentos, na seleção de gestores de ativos e no acompanhamento permanente do cliente. Já o Método Alocc é o método que nós desenvolvemos especificamente para a alocação dos recursos, uma etapa-chave para nós e muito frequentemente subestimada por outras instituições.
Nós levamos a nossa metodologia tão a sério, que elaboramos um compêndio, com cerca de 100 páginas, em que ela é detalhada e explicada passo a passo. Ele é a base para o treinamento do nosso pessoal e um guia para os nossos planejadores. O Método Alocc, em particular, é tão valioso para nós, que é registrado e patenteado.
O que vocês veem na alocação que os outros não veem e o que há de tão especial no Método Alocc?
Vou começar explicando o que é a alocação, tá? Talvez eu soe muito didático, simplório até, mas é a base. Se não estiver clara, tudo mais que eu disser pode soar obscuro.
OK.
Vamos lá. Se você vai a uma feira livre, encontra várias espécies de frutas, banana, laranja, mamão, manga, e suas subespécies, banana prata, ouro, nanica; laranja-pera, lima, seleta…, e por aí vai, né? Nas bancas de frutas, as espécies e subespécies estão representadas por diferentes espécimes, mais e menos maduros e íntegros, maiores e menores, mas todos os espécimes de uma espécie compartilham as mesmas características e propriedades, embora em graus diferentes. Conforme a subespécie, o tamanho, o ponto de maturação, a região, o terreno, o modo como tenha sido produzida, coisa e tal, uma laranja vai ser mais ou menos ácida do que outra, vai ter gomos maiores ou menores, mais ou menos vitamina C, mas todas as laranjas vão ter gomos e mais vitamina C e acidez do que as bananas e menos do que as acerolas.
Bem, se você não está só a passeio e quer fazer uma compra eficiente, vai ter uma lista no bolso, indicando as frutas de que você precisa e a quantidade de cada qual adequada ao seu uso. Aí, você se dirige às barracas seguindo a sua lista e começa a examinar e selecionar os espécimes. Se tem laranja na lista, você vai às barracas que oferecem laranjas, olha uma por uma e escolhe as que parecem em melhor estado para colocar no seu carrinho. É assim que se faz a feira, não é?
No mercado financeiro, não é muito diferente. Você tem as diversas classes de ativos (renda fixa, moedas, ações, contratos de commodities e derivativos), com suas subespécies, representadas pelas condições específicas dos títulos, contratos e ações. O seu projeto de alocação é a sua lista de compras, onde figuram as classes e subclasses de ativos que lhe convêm e a proporção que devem ter na sua carteira.
A gestão de ativos corresponde à escolha dos espécimes, ou seja, das frutas que você põe no carrinho ou dos títulos, ações e contratos, com diferentes emissores, prazos e riscos macroeconômicos selecionados para compor uma carteira. Agora, repara: assim como não faz sentido sair recolhendo qualquer fruta bonita que você veja pela frente, sem se importar se é banana, laranja ou melancia, também não faz sentido selecionar ativos promissores sem considerar as características da sua classe. Por mais lindas que as bananas estejam, elas não vão substituir os limões, e você não vai fazer papinha de abacaxi para um bebê pequenininho mesmo que o abacaxi esteja maravilhoso. Tendo dinheiro no bolso suficiente, você não deixa de comprar outras frutas só porque comprou banana, e sair da feira com meia dúzia de jacas, só porque está na temporada, é um desperdício sem sentido e pode causar uma tremenda indigestão. O que nós praticamos é isso: a correspondência das classes de ativos às necessidades dos clientes.
Mas os private banks e as corretoras também têm lá as suas listas de compras baseadas no perfil do cliente, não?
O problema é a eficiência do método que costumam usar; ou seja, os critérios com que elaboram as listas de compras. Se o nosso método é melhor, como eu realmente acho que é, não é porque somos mais espertos do que os outros ou porque fazemos mágica. É, antes de mais nada, uma questão de foco.
E qual é o foco das instituições financeiras? Você se lembra de que, na primeira entrevista, eu disse que a lógica dessas instituições é de comparação entre as oportunidades do mercado, né? Não é assim por acaso. O negócio característico delas, o seu foco, é a intermediação de transações financeiras, e é daí que extraem a parte mais expressiva do seu lucro. Nessa engrenagem, a posição do cliente é, sobretudo, a de um fornecedor de insumos; ou seja, de dinheiro, para as operações de crédito.
Do ponto de vista do negócio dos bancos, é natural e até saudável que concentrem a maior parte dos seus recursos, do seu tempo e da sua energia no exame das operações e no desenvolvimento de produtos e serviços para atrair clientes e captar recursos que financiem essas operações. Quanto maiores as instituições, mais estratosférico é o volume de recursos que precisam captar, diariamente, o que implica em uma subjacente visão de curto prazo e na necessidade de contar com uma clientela gigantesca. Consequentemente, é indispensável ganhar escala no atendimento, e a saída é padronizar os clientes segundo algumas poucas variáveis e classificá-los em escaninhos pré-formatados para se ajustarem às ofertas de investimento do mercado.
Consequentemente, é indispensável ganhar escala no atendimento, e a saída é padronizar os clientes segundo algumas poucas variáveis e classificá-los em escaninhos pré-formatados para se ajustarem às ofertas de investimento do mercado.
Nós trabalhamos na mão contrária, somos remunerados exclusivamente por nossos clientes, e nosso único foco é o serviço de gestão patrimonial que prestamos a eles. Podemos e devemos compreender e aderir inteiramente aos interesses deles, até em benefício do nosso próprio negócio, sem nenhuma contradição entre uma coisa e a outra. Já o mercado é, para nós, um fornecedor de oportunidades que a gente seleciona conforme atendam aos interesses dos nossos clientes. Em lugar de ganhar escala reduzindo a complexidade da vida das pessoas, a gente trabalha com profissionais altamente qualificados, pautados por uma metodologia que garante a qualidade dos processos e inteiramente concentrados no planejamento e no acompanhamento dos clientes, e não do mercado.
E como isso impacta a alocação?
Genericamente, o que interessa aos nossos clientes é sustentar e, se possível, incrementar o padrão de vida da sua família pelo maior tempo possível, valorizando o seu patrimônio a longo prazo. A meta não é ganhar mais do que o vizinho, porque isso não garante que se pague as contas. O que realmente importa é ter liquidez para bancar seus gastos, hoje, amanhã, depois e depois; esse é o benchmarck, digamos.
Em resumo, quem gere um patrimônio trabalha para o longuíssimo prazo, a perder de vista mesmo, e visa a valorização do patrimônio total, e não o sucesso de operações isoladas. Essas condições derivam em três consequências diretas e inapeláveis que expõem o impacto do tempo no mundo dos investimentos. Uma delas é que durante um período tão largo, todos os mercados vão enfrentar crises em algum momento. Outra é que qualquer perda real, que reduza o valor global dos investimentos em definitivo, deve ser evitada a todo custo, porque a longo prazo pequenas perdas têm um efeito bola de neve, exponencial (R$ 10 mil definitivamente perdidos hoje vão representar uma perda patrimonial de algo em torno de R$ 130 mil daqui a 30 anos, considerando apenas os juros. Agora, imagine o que isso significa se você desperdiçar R$ 10 mil a cada um desses 30 anos). A terceira é como que o avesso da segunda; ou seja o valor positivo do tempo para os investimentos, que não se limita à valorização inercial dos juros sobre juros ano após ano, mas diz respeito também à possibilidade de lucrar com ganhos bastante superiores suportando os altos e baixos dos ativos de renda variável. É por tudo isso que a eficiência da gestão é tão crucial para os investimentos patrimoniais.
Quando se tem essa visão, uma alocação diversificada segundo as necessidades de liquidez no curto, no médio e no longo prazo é uma medida de proteção indispensável. Com diversificação adequada aos prazos da sua vida e ativos razoavelmente bem selecionados, as oscilações não vão inviabilizar o seu dia a dia, porque você conta com uma reserva de recursos líquidos imune ao sobe e desce do mercado. Seu patrimônio não vai ser destruído pelas eventuais quedas desse ou daquele mercado ou ativo, porque elas podem ser compensadas pela alta de outros mercados e ativos presentes na sua carteira e a sua reserva lhe garante tempo para aguardar pela recuperação dos preços em baixa. O patrimônio vai se valorizando na medida em que os percentuais de alocação são mantidos, e as altas e baixas podem até se transformar em uma fonte de receita.
Veja: eu não estou abrindo mão de ativos com potencial extraordinário, porém incerto. A gente também trabalha para isso. O que eu não vou fazer é depender dessas oportunidades para sustentar o dia a dia de uma família ou correr o risco de ter de me desfazer de um ativo quando o mercado estiver em baixa, impondo prejuízos definitivos ao meu cliente. Do mesmo modo, também não vou desperdiçar o potencial do patrimônio evitando a flutuação de mercados que vão incrementar o patrimônio mais adiante.
Na prática…
Na prática, quando você reduz o cliente a umas poucas variáveis padronizáveis para encaixá-lo em um perfil predefinido, deixa de compreender as necessidades desse cliente ao longo do tempo. Aí, não tem como calcular com precisão o volume de dinheiro líquido de que ele vai precisar em diferentes momentos, o que potencializa o risco de investir em renda variável, porque o antídoto contra a incerteza das suas flutuações é justamente a certeza de contar com liquidez suficiente para atravessar períodos de baixa. Sem isso, a alocação passa a ser determinada por características genéricas, como faixa etária, e percepções subjetivas, como o medo da instabilidade ou o pendor aventureiro do investidor.
Eu poderia lhe dar N exemplos, mas vou dar apenas um para ajudar a esclarecer: uma senhora de 83 anos, com patrimônio suficiente para prover sua previdência e sem experiência em investimentos, vai à procura de ajuda para administrar seus recursos. Perguntam como ela se sentiria se os investimentos tivessem uma baixa de 10%, e ela reage horrorizada. Conclusão imediata: seu perfil é conservador, e a alocação recomendada é algo entre 80 e 90% em renda fixa.
Bom, já de cara, você está abrindo mão da melhor proteção que existe para o longo prazo, que é a diversificação. Agora, além disso, mesmo que ela jamais veja um número negativo no extrato, você vai estar desperdiçando recursos em nome de uma liquidez da qual ela não vai fazer uso. Com uma carteira gerida pelo Método Alocc, diversificada e equilibrada, baseada na análise detalhada das condições particulares dessa senhora, a expectativa de retorno seria significativamente maior, e ela poderia incrementar o legado que vai deixar aos seus herdeiros. É isso que a gente chama de eficiência.
Mas, não dá para obter rentabilidades mais altas na renda fixa? A gente vê tantas ofertas nesse sentido…
Até pode dar, mas correndo riscos muito desaconselháveis para uma carteira patrimonial. Olha, não tem jeito: ativos com rentabilidades muito superiores à média da sua classe sempre vão implicar maior risco.
Há dois expedientes básicos para se obter ganhos excedentes em renda fixa. Um é emprestar seu dinheiro a tomadores não “prime”, menos qualificados, que precisam oferecer juros mais altos para atrair investidores. Nesse caso, você está aceitando aumentar o seu risco de crédito; ou seja, a probabilidade de levar um calote. O outro expediente é alongar o prazo dos créditos. O problema aqui é que, quanto maior o prazo, maior também a chance de você precisar liquidar o investimento antes da data de vencimento revendendo seu título no mercado secundário, e maiores também são as chances de que esse momento coincida com uma alta dos juros futuros ou, na pior das hipóteses, com uma crise de liquidez, do mercado em geral ou do seu título em particular. A alta dos juros futuros vai obrigar você a aceitar um preço inferior ao valor de face do seu título, e, numa crise de liquidez, vai ser muito difícil encontrar um comprador para ele, por qualquer preço que seja.
Em síntese, os dois expedientes pervertem a proposta de uma alocação conservadora, imune a riscos de mercado e com o menor risco de liquidez possível. É bastante improvável que você sustente estratégias assim por muito tempo sem se dar muito mal alguma hora.
Deu para entender?
Entendi, mas e o Método Alocc, o que ele é, qual é o papel dele nisso tudo?
O Método Alocc é o método que a gente desenvolveu para, a partir das informações levantadas no processo de planejamento, projetar a alocação mais eficiente para cada família, casando as características das várias classes de ativos às suas necessidades de liquidez no curto, no médio e no longo prazo. Suas bases são essas: liquidez na medida certa para todos os momentos, diversificação, para proteger e rentabilizar o patrimônio a longo prazo, e eficiência, para eliminar desperdícios de recursos.
Com a consultoria inestimável do professor Dionísio Dias Carneiro, um dos maiores economistas que o Brasil já teve, e o respaldo dos mais prestigiados estudos sobre alocação de recursos previdenciários, nós desenvolvemos o Método Alocc partindo da nossa própria experiência em gestão patrimonial e dos pressupostos macroeconômicos sobre o funcionamento dos mercados. Levamos alguns anos aperfeiçoando o método e, então, passamos pelo primeiro grande teste, a crise de 2008, com as carteiras de nossos clientes se comportando dentro do previsto, sem impor dificuldades de liquidez a nenhum deles.
A clara compreensão desses fundamentos do investimento patrimonial – liquidez, diversificação e eficiência – permitiu o detalhamento minucioso de um processo de composição de carteiras baseado no casamento entre as condições patrimoniais do cliente e a alocação por classes de ativos, sem depender dos movimentos circunstanciais dos mercados. Graças e isso, a gente pôde sistematizar o processo com alto grau de eficiência, partindo das particularidades de cada cliente. Assim, os nossos planejadores são liberados do acompanhamento diário dos mercados e podem se dedicar integralmente ao levantamento e à análise das questões patrimoniais, o que, ao mesmo tempo, é essencial para a boa aplicação desse nosso método.
Entendi. Bom, até aí, você definiu a alocação por mercados, o que vai para renda fixa, para ações e multimercados, mas e os ativos? Como você define quais títulos, ações e contratos vão, concretamente, entrar na carteira?
Com a segurança de uma alocação precisa e consistente (aquela lista de compras da feira, lembra?), sabendo exatamente o objetivo de investir em cada um desses mercados, nós formamos critérios qualitativos para selecionar gestores especializados em cada um deles – o cara que vai lá, olhar de perto e selecionar cada laranja ou banana que será colocada no carrinho –, sem nos basear meramente em históricos de performances que podem jamais se repetir. É um processo distinto, segregado da alocação. A gente pode falar sobre ele em uma próxima entrevista.